O
primeiro aspecto discutido no curso sobre a “caracterização das redes” adveio
do texto “Filosofia das Redes” de Pierre Musso, que constata.
“A
rede é um receptor epistêmico ou um cristalizador, eis por que tomou o
lugar de noções outrora dominantes como o sistema ou a estrutura.”
(MUSSO, p. 17). Buscou-se a partir dos termos relacionados (em negrito) e
emulados pela noção de rede constituir a discussão inicial.
Episteme vem do grego e significa: ciência,
conhecimento. Epistemologia é a teoria da natureza e dos limites do
conhecimento Japiassu diz que “em um trabalho de pesquisa, a epistemologia tem
a função de submeter a prática investigativa a uma reflexão (JAPIASSU, 1979)”. Bachelard
designa a diferença entre o ofício de epistemólogo e o de historiador da
ciência.
“O historiador da ciência deve tomar
as ideias como se fossem fatos. O epistemólogo deve tomar os fatos como se
fossem ideias, inserindo-as num sistema de pensamento. Um fato mal interpretado
por uma época permanece, para o historiador, um fato. Para o
epistemólogo, é um obstáculo, um contra-pensamento. É sobretudo ao
aprofundar a noção de obstáculo epistemológico que se confere pleno valor
espiritual à história do pensamento científico.” (BACHELARD, Espírito
Cientifico).
Inspirado por Bachelard, e outros,
Foucault situa a epistemologia como estudo das mudanças na estrutura do
conhecimento, como a "gramática" da produção de conhecimento que é
revelada pela pratica da ciência, da filosofia, da arte e da literatura. Assim
a epistemologia é inclusive um modo de vincular eventos materiais ao pensamento
ou ideias. O fato de que uma pratica particular incorpore uma ideia não
e evidente por si mesmo; a conexão tem de ser evidenciada na pratica da
epistemologia (LECHTE, 2002).
Tanto
Bachelard como Foucault mostram como o pensamento, na sua relação com a
verdade, tem também uma história, uma estrutura de conhecimento e modos de
compreensão que estão eles próprios sempre mudando. . Uma história do
pensamento enquanto pensamento da verdade, verdade como processo de
objetivação. Objetivação significa problematização (BARBOSA, 1995)
O
termo episteme compõe ‘uma’ dimensão que articula uma diversidade de
historicidades entre si, segundo Michel Foucault (1995. p. 216) e que coloca ao
nível da cultura vivida, sedimentações, canalizações, ligações conscientes e
inconscientes entre fenômenos. Essa noção de episteme reforça a situação de composto de relações de forças,
passível de ser analisado e desmontado (FOUCAULT, 1995). O confronto de diversas
historicidades nos processos analisados, ao mesmo tempo em que reafirma a
singularidade dos acontecimentos, aponta a não linearidade do processo
histórico. Constrói a ideia de uma história que “(...) recusa a ideologia do progresso, que recusa a continuidade e a
identificação com um período dado”
Sistema, no dicionário Abbagnano, termo foi e
é empregado também sem relação com este significado, para indicar qualquer
organismo dedutivo, mesmo que não tenha um princípio único como fundamento.
(...).
Sistema, no dicionário Abbagnano e, significa
qualquer totalidade ou todo organizado. Sistemas naturais e artificiais,
abertos (em contato com o meio socioambiental) e fechados (monopólio). Ainda significa
qualquer totalidade ou todo organizado. Neste sentido, fala-se em "S.
solar", "S. nervoso", etc, e também de "classificação
sistemática" ou, mais simplesmente, de S. em lugar de classificação, como
fez Lineu, quando quis insistir no caráter ordenado e completo de sua classificação
(Systema naturae, 1735, apud. Abbagnano).
No Glossário
de Ruy Gama, sistema significa, Conjunto
de elementos relacionados entre si que constituem determinada formação íntegra.
Os objetos de um sistema não se decompõem em elementos diversos nem em relação
entre estes; não é possível entrar em seu conhecimento se apenas se delimita
uma determinada conexão entre as que nele se verificam. A especificidade deste
objeto consiste na interdependência de conexões — o objetivo de uma investigação
do sistema é a análise lógica e metodológica desta interdependência. Característica
— sistemas em geral são representados por modelos, que esquematizam
simplificam a complexidade do sistema.
O termo estrutura é o "número-relação", conceito generalíssimo
que equivale a plano, construção, constituição (In Abbagnano). A
estrutura é construída (não é natural).
O uso do termo estrutura em
antropologia, sobretudo por Lévi-Strauss; este define a estrutura
explicitamente como um sistema de elementos tal que uma modificação qualquer de
um implica uma modificação de todos os outros, considerando-a como um modelo
conceituai que deve dar conta dos fatos observados e permitir que se preveja de
que modo reagirá o conjunto no caso da modificação de um dos elementos. Lévi-Strauss
Apud dicionário Abbagnano.
Lévi-Strauss
– a noção de estrutura não se relaciona à realidade empírica mas aos modelos
construídos. É um modo de ajustamento de um conjunto de coisas, partes ou forças
que constitui um todo específico. Estas partes estão em conexão ou sinergia com
outras, estas se concretizam na relação com essas outras partes. Cada vez que
se fala em estrutura é para designar a forma de coerência de um conjunto e a
sua heterogeneidade em relação a outros (Lévi-Strauss apud GAMA).
A
estrutura é “latente, se inscreve na realidade de modo estável durável.” A
apreensão de uma estrutura permite destacar um modelo de funcionamento. O
modelo muda quando a estrutura muda.(Ruy Gama, Glossário).
Ainda,
referenda-se o uso encontrado na terminologia de Marx e dos marxistas. Nessa
terminologia, estrutura é a constituição econômica da sociedade em que se
incluem as relações de produção e as relações de trabalho, ao passo que superestrutura
(v.) é a constituição jurídica, estatal, ideológica da própria sociedade (Marx
In dicionário ABBAGNANO).
Conceito
de estrutura de Jean Piaget: "Uma estrutura é um sistema de transformações
que comporta leis enquanto sistema (por oposição às propriedades dos elementos)
e que se conserva ou se enriquece pelo próprio jogo de suas transformações, sem
que estas conduzam para fora de suas fronteiras ou façam apelo a elementos
exteriores". Portanto, "uma estrutura compreende os caracteres de
totalidade, de transformação e de auto-regulação“ (Piaget).
O conceito
rede no texto de Pierre Musso:
Rede
é uma estrutura de interconexão instável, composta de elementos em interação
e cuja variabilidade obedece a alguma regra de funcionamento (Anne Cauquelin
apud MUSSO) definição em 3 níveis:
1- elementos
em interação, picos, nós ligados entre si por caminhos ou ligações, sendo o
conjunto instável e definido em um espaço em 3 dimensões.
2-
rede é uma “estrutura” de interconexão instavel no tempo, é intermitente. A
estrutura da rede inclui sua dinâmica — trata-se de pensar um complexificação
autoengendrada pela estrutura da rede.
3- A
modificação de sua estrutura obedece a alguma regra de funcionamento. Supõe-se
que a variabilidade da estrutura em rede respeita uma norma eventualmente
modelizável — que explica “o
funcionamento do sistema estruturado em rede”.
Passa-se
da dinâmica da rede ao funcionamento do sistema, “como se o primeiro fosse o
invisível do segundo, portanto seu fator explicativo”. (Musso. p. 31-32)
Rede
define a passagem a transição, o intermediário entre dois lugares. Toda
técnica, teoria ou prática da passagem da ligação, o que era o intermediário
entre dois lugares, tornou-se substância, não mais intermédio senão totalidade
plena (Cauquelin apud Musso, p. 33). Rede técnica de organização espaço-tempo
Como
matriz espaço-temporal: “(...) de um lado, a rede técnica abre a restrição
espacial sem a suprimir e superpõe um espaço sobre o território — ela
desterritorializa e reterritorializa — de outro lado a rede cria um tempo curto
pelo rápido transporte ou pelo intermédio ou intercâmbio de informações.
A
rede de comunicação adiciona ao espaço-tempo físico um espaço ampliado e um
tempo reduzido.
Pode-se confrontar com os conceitos de Stephen
Grahan cidade e telecomunicações. Cidade tem a função: fundir tempo com
espaço. E foi desenvolvida para facilitar as comunicações pela redução das
limitações de espaço, superando as limitações de tempo. Telecomunicações
têm a função: Conquistar o espaço com o tempo. Foi desenvolvida para facilitar
as comunicações pela redução das limitações de tempo para superar as
restrições de espaço.
O
território contemporâneo é produzido por meio de superposições, combinações e interações
entre territórios. Este aspecto relacional remete ao processo informacional,
designando um território multimídia, pois, recorre a multimeios como forma de
comunicação, informação e formação. As condições globais dos espaços urbanos
estão progressivamente híbridas e multifacetadas, superpõem flutuações e
mutações, acumulando camadas de realidade e camadas de informações (GAUSA et
al, In Dicionario Metapolis, 2000).
Estas
possibilidades se chocam com a condição de objeto da manufatura, compreendido
como localização e posição sensível, e com a noção de espaço como aquilo “que
impede que tudo esteja no mesmo lugar” (VIRILIO, 1993).
Características
das redes segundo Anne Cauquelin: conjunto extensível,
auto-organizável, repercutem-se umas sobre outras; a noção de sujeito
comunicante se apaga em proveito da produção global de comunicações; anelação
(ciclo) ; autonomia; nominação ou prevalência do continente (a rede sobre o conteúdo);
redundância ou saturação; construção de uma realidade de segundo grau,
simulação (Cauquelin In Arte Contemporânea).
Segundo
Pierre Musso, a simbolia da rede coloca o inferno do controle e paraíso da
circulação, despotismo do centro e anarquia da periferia. A euforia de um planeta
relacional, uma sociedade transparente, consensual e democrática. De acordo com
este ponto de vista, as redes de informação ocupariam o lugar de um novo
vínculo social e de ferramentas para uma nova democracia eletrônica, direta, interativa
e instantânea (Musso).
Pierre
Musso ainda destaca a rede veículo que transmuda em passantes sempre
mergulhados nos fluxos (de informação, de imagens, de sons, de dados...). O
movimento é contínuo, se a república de Platão punha cada um em seu lugar, a
democracia reticular põe cada um numa situação de passagem, transição,
movimento.
“Não
há mais necessidade de operar a mudança social, ela se faz permanentemente”.(...)
“A rede se tornou o fim e o meio para pensar e realizar a transformação social,
ou até mesmo as revoluções do nosso
tempo” (MUSSO, p. 37).
Referencias
ABBAGNANO,
Nicola. Dicionário de filosofia.
Martins Fontes.
BACHELARD, Gaston. Formação do espírito cientifico. Editora Contraponto
BARBOSA, Eliana. Espaço-tempo e
poder-saber. Uma nova epistéme?
(Foucault e Bachelard). Tempo Social; Rev. Sociol. USP, S. Paulo, 7(1-2):
111-120, outubro de 1995.
CAUQUELIN,
Anne. Arte Contemporânea - Uma Introdução.
Martins Fontes.
FOUCAULT,
Michel, Arqueologia do saber. Rio de
Janeiro: Forense, 1995
GAMA,
Ruy. Glossário. EDUSP.
GAUSA,
Manuel, GUALLART, Vicente & MÜLLER, Willy et al. (orgs.). Diccionario Metápolis de arquitectura avanzada. Ciudad y
tecnologia en la sociedad de la información. Barcelona: Actar, 2000
GRAHAN,
Stephen. Rumo à cidade em tempo real. Um
extrato desse texto foi publicado por “O Estado de S. Paulo” 26 de maio de
1996.
LECHTE, John. 50 pensadores contemporâneos essenciais do estruturalismo s pos-modernidade. Ed. Difel, 2002
MUSSO,
Pierre. A Filosofia da rede In PARENTE, André. As tramas da rede. Sulina, 2004
VIRILIO,
Paul. Espaço Critico. São Paulo: Ed.
34, 1993.