sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Caracterização das redes


O primeiro aspecto discutido no curso sobre a “caracterização das redes” adveio do texto “Filosofia das Redes” de Pierre Musso, que constata.

“A rede é um receptor epistêmico ou um cristalizador, eis por que tomou o lugar de noções outrora dominantes como o sistema ou a estrutura.” (MUSSO, p. 17). Buscou-se a partir dos termos relacionados (em negrito) e emulados pela noção de rede constituir a discussão inicial.

Episteme vem do grego e significa: ciência, conhecimento. Epistemologia é a teoria da natureza e dos limites do conhecimento Japiassu diz que “em um trabalho de pesquisa, a epistemologia tem a função de submeter a prática investigativa a uma reflexão (JAPIASSU, 1979)”. Bachelard designa a diferença entre o ofício de epistemólogo e o de historiador da ciência.

“O historiador da ciência deve tomar as ideias como se fossem fatos. O epistemólogo deve tomar os fatos como se fossem ideias, inserindo-as num sistema de pensamento. Um fato mal interpretado por uma época permanece, para o historiador, um fato. Para o epistemólogo, é um obstáculo, um contra-pensamento. É sobretudo ao aprofundar a noção de obstáculo epistemológico que se confere pleno valor espiritual à história do pensamento científico.” (BACHELARD, Espírito Cientifico).

Inspirado por Bachelard, e outros, Foucault situa a epistemologia como estudo das mudanças na estrutura do conhecimento, como a "gramática" da produção de conhecimento que é revelada pela pratica da ciência, da filosofia, da arte e da literatura. Assim a epistemologia é inclusive um modo de vincular eventos materiais ao pensamento ou ideias. O fato de que uma pratica particular incorpore uma ideia não e evidente por si mesmo; a conexão tem de ser evidenciada na pratica da epistemologia (LECHTE, 2002).

Tanto Bachelard como Foucault mostram como o pensamento, na sua relação com a verdade, tem também uma história, uma estrutura de conhecimento e modos de compreensão que estão eles próprios sempre mudando. . Uma história do pensamento enquanto pensamento da verdade, verdade como processo de objetivação. Objetivação significa problematização (BARBOSA, 1995)

O termo episteme compõe ‘uma’ dimensão que articula uma diversidade de historicidades entre si, segundo Michel Foucault (1995. p. 216) e que coloca ao nível da cultura vivida, sedimentações, canalizações, ligações conscientes e inconscientes entre fenômenos. Essa noção de episteme reforça a situação de composto de relações de forças, passível de ser analisado e desmontado (FOUCAULT, 1995). O confronto de diversas historicidades nos processos analisados, ao mesmo tempo em que reafirma a singularidade dos acontecimentos, aponta a não linearidade do processo histórico. Constrói a ideia de uma história que “(...) recusa a ideologia do progresso, que recusa a continuidade e a identificação com um período dado

Sistema, no dicionário Abbagnano, termo foi e é empregado também sem relação com este significado, para indicar qualquer organismo dedutivo, mesmo que não tenha um princípio único como fundamento. (...).

Sistema, no dicionário Abbagnano e, significa qualquer totalidade ou todo organizado. Sistemas naturais e artificiais, abertos (em contato com o meio socioambiental) e fechados (monopólio). Ainda significa qualquer totalidade ou todo organizado. Neste sentido, fala-se em "S. solar", "S. nervoso", etc, e também de "classificação sistemática" ou, mais simplesmente, de S. em lugar de classificação, como fez Lineu, quando quis insistir no caráter ordenado e completo de sua classificação (Systema naturae, 1735, apud. Abbagnano).

No Glossário de Ruy Gama, sistema significa, Conjunto de elementos relacionados entre si que constituem determinada formação íntegra. Os objetos de um sistema não se decompõem em elementos diversos nem em relação entre estes; não é possível entrar em seu conhecimento se apenas se delimita uma determinada conexão entre as que nele se verificam. A especificidade deste objeto consiste na interdependência de conexões — o objetivo de uma investigação do sistema é a análise lógica e metodológica desta interdependência. Característica — sistemas em geral são representados por modelos, que esquematizam simplificam a complexidade do sistema.

O termo estrutura é o "número-relação", conceito generalíssimo que equivale a plano, construção, constituição (In Abbagnano). A estrutura é construída (não é natural).

O uso do termo estrutura em antropologia, sobretudo por Lévi-Strauss; este define a estrutura explicitamente como um sistema de elementos tal que uma modificação qualquer de um implica uma modificação de todos os outros, considerando-a como um modelo conceituai que deve dar conta dos fatos observados e permitir que se preveja de que modo reagirá o conjunto no caso da modificação de um dos elementos. Lévi-Strauss Apud dicionário Abbagnano.  

Lévi-Strauss – a noção de estrutura não se relaciona à realidade empírica mas aos modelos construídos. É um modo de ajustamento de um conjunto de coisas, partes ou forças que constitui um todo específico. Estas partes estão em conexão ou sinergia com outras, estas se concretizam na relação com essas outras partes. Cada vez que se fala em estrutura é para designar a forma de coerência de um conjunto e a sua heterogeneidade em relação a outros (Lévi-Strauss apud GAMA).

A estrutura é “latente, se inscreve na realidade de modo estável durável.” A apreensão de uma estrutura permite destacar um modelo de funcionamento. O modelo muda quando a estrutura muda.(Ruy Gama, Glossário).

Ainda, referenda-se o uso encontrado na terminologia de Marx e dos marxistas. Nessa terminologia, estrutura é a constituição econômica da sociedade em que se incluem as relações de produção e as relações de trabalho, ao passo que superestrutura (v.) é a constituição jurídica, estatal, ideológica da própria sociedade (Marx In dicionário ABBAGNANO).

Conceito de estrutura de Jean Piaget: "Uma estrutura é um sistema de transformações que comporta leis enquanto sistema (por oposição às propriedades dos elementos) e que se conserva ou se enriquece pelo próprio jogo de suas transformações, sem que estas conduzam para fora de suas fronteiras ou façam apelo a elementos exteriores". Portanto, "uma estrutura compreende os caracteres de totalidade, de transformação e de auto-regulação“ (Piaget).

O conceito rede no texto de Pierre Musso:

Rede é uma estrutura de interconexão instável, composta de elementos em interação e cuja variabilidade obedece a alguma regra de funcionamento (Anne Cauquelin apud MUSSO) definição em 3 níveis:

1- elementos em interação, picos, nós ligados entre si por caminhos ou ligações, sendo o conjunto instável e definido em um espaço em 3 dimensões.

2- rede é uma “estrutura” de interconexão instavel no tempo, é intermitente. A estrutura da rede inclui sua dinâmica — trata-se de pensar um complexificação autoengendrada pela estrutura da rede.

3- A modificação de sua estrutura obedece a alguma regra de funcionamento. Supõe-se que a variabilidade da estrutura em rede respeita uma norma eventualmente modelizável —  que explica “o funcionamento do sistema estruturado em rede”.

Passa-se da dinâmica da rede ao funcionamento do sistema, “como se o primeiro fosse o invisível do segundo, portanto seu fator explicativo”. (Musso. p. 31-32)

Rede define a passagem a transição, o intermediário entre dois lugares. Toda técnica, teoria ou prática da passagem da ligação, o que era o intermediário entre dois lugares, tornou-se substância, não mais intermédio senão totalidade plena (Cauquelin apud Musso, p. 33). Rede técnica de organização espaço-tempo

Como matriz espaço-temporal: “(...) de um lado, a rede técnica abre a restrição espacial sem a suprimir e superpõe um espaço sobre o território — ela desterritorializa e reterritorializa — de outro lado a rede cria um tempo curto pelo rápido transporte ou pelo intermédio ou intercâmbio de informações.

A rede de comunicação adiciona ao espaço-tempo físico um espaço ampliado e um tempo reduzido.

Pode-se confrontar com os conceitos de Stephen Grahan cidade e telecomunicações. Cidade tem a função: fundir tempo com espaço. E foi desenvolvida para facilitar as comunicações pela redução das limitações de espaço, superando as limitações de tempo. Telecomunicações têm a função: Conquistar o espaço com o tempo. Foi desenvolvida para facilitar as comunicações pela redução das limitações de tempo para superar as restrições de espaço.

O território contemporâneo é produzido por meio de superposições, combinações e interações entre territórios. Este aspecto relacional remete ao processo informacional, designando um território multimídia, pois, recorre a multimeios como forma de comunicação, informação e formação. As condições globais dos espaços urbanos estão progressivamente híbridas e multifacetadas, superpõem flutuações e mutações, acumulando camadas de realidade e camadas de informações (GAUSA et al, In Dicionario Metapolis, 2000).

Estas possibilidades se chocam com a condição de objeto da manufatura, compreendido como localização e posição sensível, e com a noção de espaço como aquilo “que impede que tudo esteja no mesmo lugar” (VIRILIO, 1993).


Características das redes segundo Anne Cauquelin: conjunto extensível, auto-organizável, repercutem-se umas sobre outras; a noção de sujeito comunicante se apaga em proveito da produção global de comunicações; anelação (ciclo) ; autonomia; nominação ou prevalência do continente (a rede sobre o conteúdo); redundância ou saturação; construção de uma realidade de segundo grau, simulação (Cauquelin In Arte Contemporânea).

Segundo Pierre Musso, a simbolia da rede coloca o inferno do controle e paraíso da circulação, despotismo do centro e anarquia da periferia. A euforia de um planeta relacional, uma sociedade transparente, consensual e democrática. De acordo com este ponto de vista, as redes de informação ocupariam o lugar de um novo vínculo social e de ferramentas para uma nova democracia eletrônica, direta, interativa e instantânea (Musso).

Pierre Musso ainda destaca a rede veículo que transmuda em passantes sempre mergulhados nos fluxos (de informação, de imagens, de sons, de dados...). O movimento é contínuo, se a república de Platão punha cada um em seu lugar, a democracia reticular põe cada um numa situação de passagem, transição, movimento.

“Não há mais necessidade de operar a mudança social, ela se faz permanentemente”.(...) “A rede se tornou o fim e o meio para pensar e realizar a transformação social, ou até mesmo as  revoluções do nosso tempo” (MUSSO, p. 37).

  

Referencias
ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. Martins Fontes.

BACHELARD, Gaston. Formação do espírito cientifico. Editora Contraponto


BARBOSA, Eliana. Espaço-tempo e poder-saber. Uma nova epistéme? (Foucault e Bachelard). Tempo Social; Rev. Sociol. USP, S. Paulo, 7(1-2): 111-120, outubro de 1995.

CAUQUELIN, Anne. Arte Contemporânea - Uma Introdução. Martins Fontes.

FOUCAULT, Michel, Arqueologia do saber. Rio de Janeiro: Forense, 1995

GAMA, Ruy. Glossário. EDUSP.

GAUSA, Manuel, GUALLART, Vicente & MÜLLER, Willy et al. (orgs.). Diccionario Metápolis de arquitectura avanzada. Ciudad y tecnologia en la sociedad de la información. Barcelona: Actar, 2000

GRAHAN, Stephen. Rumo à cidade em tempo real. Um extrato desse texto foi publicado por “O Estado de S. Paulo” 26 de maio de 1996.

LECHTE, John. 50 pensadores contemporâneos essenciais do estruturalismo s pos-modernidade. Ed. Difel, 2002


MUSSO, Pierre. A Filosofia da rede In PARENTE, André. As tramas da rede. Sulina, 2004

VIRILIO, Paul. Espaço Critico. São Paulo: Ed. 34, 1993.

 

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